ENTREVISTA COM O COO DA BET.BET

William Bonalume: "Temos um marco regulatório robusto, mas a efetividade ainda é limitada"

Imagem: reprodução/Instagram
11-08-2025
Tempo de leitura 10:17 min

As decisões operacionais e regulatórias tomadas hoje vão definir se o Brasil será referência internacional em regulação de apostas ou se sofrerá com problemas estruturais de mercados menos maduros. A avaliação é de William Bonalume, COO da bet.bet, casa de apostas licenciada pelo Ministério da Fazenda.

Em entrevista exclusiva ao Yogonet, o executivo abordou diferentes temas do setor, desde o combate às bets ilegais até a Copa do Mundo de 2026, descrita como "uma oportunidade sem precedentes para o setor".

Bonalume afirmou ainda que o debate "polarizado e superficial" sobre as bets impacta negativamente a indústria.

"De um lado, a demonização completa das apostas; de outro, a glamourização irresponsável. Essa dicotomia prejudica a consolidação de um mercado maduro e responsável. Precisamos de uma discussão técnica, baseada em evidências e experiências internacionais, sobre como estruturar um ecossistema sustentável", defende ele.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

A regulamentação é comumente descrita como uma grande conquista para o setor. No entanto, segundo levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), entre 41% e 51% das apostas feitas no Brasil ocorrem em plataformas não regulamentadas. Como você vê a atual situação do mercado no Brasil e o que poderia ser feito para um combate mais efetivo às bets ilegais? 

A situação atual representa um paradoxo que precisa ser enfrentado com urgência e estratégia coordenada. Os dados do IBJR confirmam o que observamos operacionalmente: temos um marco regulatório robusto, mas sua efetividade ainda é limitada pela falta de articulação entre os órgãos de fiscalização e pela velocidade de adaptação do mercado ilegal.

O combate efetivo às casas de apostas ilegais exige uma abordagem multidisciplinar que vai além da simples publicação de portarias. Primeiro, precisamos de integração real entre SPA [Secretaria de Prêmios e Apostas], Anatel, Receita Federal e Banco Central, com fluxos automatizados de troca de informações e bloqueios sistemáticos.

A experiência internacional mostra que países como Reino Unido, Espanha, Alemanha e Itália conseguiram reduzir significativamente o mercado ilegal através de estratégias coordenadas e tecnologicamente avançadas.

No Reino Unido, a UK Gambling Commission demonstra resultados concretos: em 2024, conseguiu remover 264 sites ilegais do ar, um aumento de mais de 1.000% em relação ao ano anterior, além de referenciar mais de 102.000 URLs ao Google para remoção dos resultados de busca.

A Espanha, através da Direção-Geral de Ordenação do Jogo (DGOJ), adotou medidas igualmente robustas. Desde 2018, fechou mais de 2.600 sites de apostas ilegais e aplicou multas que totalizam quase 400 milhões de euros.

A Alemanha apresenta uma abordagem particularmente inovadora através da Autoridade Conjunta de Jogos (GGL), que implementou um sistema de denúncias públicas altamente eficaz. Desde 2023, recebeu aproximadamente 1.500 denúncias da população via portal online, resultando no fechamento de 63 operadores ilegais após investigação de 1.860 websites.

A Itália, sob supervisão da ADM (Agenzia delle Dogane e dei Monopoli), combina enforcement rigoroso com foco anti-lavagem de dinheiro.

Esses exemplos internacionais evidenciam que o sucesso no combate ao mercado ilegal requer quatro pilares fundamentais: poderes regulatórios amplos para bloqueio e sanção; parcerias tecnológicas com plataformas digitais e provedores de pagamento; integração entre diferentes órgãos governamentais; e participação ativa da sociedade civil através de canais de denúncia. O Brasil precisa acelerar a implementação desses mecanismos para atingir níveis similares de eficácia.

Segundo, é fundamental implementar penalidades severas para intermediários que promovem operadores ilegais - clubes, influenciadores, veículos de mídia e plataformas digitais precisam responder juridicamente quando vinculam suas marcas a operações não licenciadas. A responsabilização de toda a cadeia, não apenas dos operadores, é crucial para desestimular essa prática.

Terceiro, precisamos acelerar a implementação de tecnologias de monitoramento de pagamentos. A Portaria nº 615/2024 foi um avanço importante ao regular pagamentos, mas ainda temos lacunas no rastreamento de transações via PIX e outros instrumentos financeiros que facilitam a operação ilegal.

Por fim, a diferenciação pela confiança e transparência precisa ser um ativo competitivo real. Operadores licenciados devem investir em experiência do usuário, atendimento humanizado e processos claros de saque e resolução de falhas. O consumidor precisa perceber, tangível e imediatamente, as vantagens de apostar no ambiente regulado.

O jogo responsável é outra grande preocupação no mercado de apostas. Quais ações a bet.bet adota para incentivar que todas as apostas sejam feitas com responsabilidade, de modo a proteger os usuários de possíveis riscos? 

O jogo responsável não é apenas uma obrigação regulatória para nós – é um pilar estratégico fundamental que orienta o desenvolvimento de produtos e a operação como um todo. Nossa abordagem se baseia em três pilares: prevenção proativa, detecção comportamental em tempo real e intervenção humanizada.

Na prevenção, implementamos sistemas de autoexclusão e limites de depósito, perda e tempo de jogo que são configuráveis pelo usuário, mas com períodos de reflexão obrigatórios para alterações.

Desenvolvemos também conteúdos educacionais integrados à plataforma, explicando probabilidades, gerenciamento de banca e sinais de comportamento de risco, sempre em linguagem acessível.

Nossa tecnologia de monitoramento comportamental utiliza algoritmos de machine learning para identificar padrões atípicos – como apostas em valores crescentes, frequência excessiva, tentativas de recuperação de perdas ou alterações bruscas no comportamento de apostas. Quando esses padrões são detectados, acionamos automaticamente medidas de proteção temporárias e oferecemos suporte especializado.

O diferencial está na intervenção humanizada. Temos uma equipe dedicada de atendimento especializada em jogo responsável, treinada para abordar situações delicadas e oferecer recursos de apoio, incluindo a construção de parcerias com organizações especializadas em dependência de jogos. 

Todos os colaboradores passam por capacitação contínua sobre identificação de sinais de risco. É importante destacar que jogo responsável não pode ser apenas um compliance checkbox. Deve ser integrado desde o design da experiência do usuário, criando jornadas que naturalmente incentivem comportamentos saudáveis e sustentáveis.

Em termos de marketing, que tipo de ação, formato ou estratégia você considera como a mais eficaz para consolidar o nome da marca e atrair apostadores? 

No atual cenário regulatório e de saturação publicitária do setor, a eficácia do marketing está diretamente relacionada à capacidade de gerar confiança e demonstrar diferenciação real, não apenas promessas ou bônus inflacionados.

A estratégia mais eficaz que observamos é o marketing educacional e de transparência operacional. Isso significa criar conteúdos que efetivamente agreguem valor ao usuário: análises técnicas de jogos, explicações sobre probabilidades, guias sobre gerenciamento de banca, comparativos transparentes de odds e processos.

Parcerias estratégicas com entidades esportivas que compartilhem valores de integridade e transparência também têm se mostrado altamente eficazes. Isso inclui não apenas patrocínios, mas colaborações em iniciativas de integridade esportiva, desenvolvimento de talentos e responsabilidade social. O consumidor percebe quando uma parceria é genuína versus puramente comercial.

A experiência pós-conversão é o maior ativo de marketing que temos. Um processo de onboarding claro, saques processados rapidamente, atendimento que resolve problemas de fato, e uma interface intuitiva geram muito mais indicações orgânicas do que qualquer campanha paga. Net Promoter Score elevado é o melhor KPI de marketing no médio prazo.

Influencer marketing funciona, mas apenas quando há alinhamento genuíno de valores e transparência sobre a parceria. Influenciadores que de fato apostam, entendem do mercado e compartilham tanto vitórias quanto derrotas geram muito mais engajamento autêntico do que celebridades em campanhas genéricas.

Compliance no marketing não é apenas obrigatório - é diferencial competitivo. Implementamos diretrizes do Conar desde 2023, antes mesmo das portarias da SPA tornarem-se obrigatórias, estabelecendo padrões que incluem linguagem clara sobre riscos, ausência de apelo a menores de idade, e comunicação responsável sobre probabilidades de ganho.

Seguindo modelos internacionais como o UK Code for Crown Dependencies e as diretrizes da Autorité Nationale des Jeux francesa, estruturamos campanhas que priorizam transparência e educação.

Nossa abordagem antecipou regulamentações: 100% das peças publicitárias passam por revisão de compliance antes da veiculação, incluem disclaimers sobre jogo responsável em destaque e evitam qualquer comunicação que sugira apostas como solução financeira. 

Essa postura proativa nos diferencia de competidores que ajustaram práticas apenas após exigências regulatórias, construindo confiança genuína que se traduz em maior lifetime value dos clientes e menor risco regulatório para a operação. Marketing responsável não é custo - é investimento em sustentabilidade de longo prazo.

Em 2026, teremos a maior Copa do Mundo da história, com 48 seleções e três países-sede, algo inédito na competição. Com base na experiência de vocês com apostas esportivas, você acredita que o torneio representará uma das maiores oportunidades já vistas para o setor? Ou ainda é muito cedo para fazer qualquer previsão? 

A Copa do Mundo de 2026 representa uma oportunidade sem precedentes para o setor, mas sua materialização depende fundamentalmente de como o mercado regulado brasileiro estará consolidado até lá. Não é apenas sobre o volume de jogos ou o formato expandido – é sobre timing, maturidade regulatória e capacidade operacional.

Dados históricos confirmam o potencial exponencial. A Copa do Qatar em 2022 gerou US$ 35 bilhões em apostas globalmente, um salto de 65% comparado aos US$ 21 bilhões da Rússia em 2018

Primeiro, o aspecto temporal é estratégico. A Copa acontecerá quando o marco regulatório brasileiro terá cerca de dois anos de implementação prática, período suficiente para que operadores licenciados estabeleçam diferenciação clara frente ao mercado ilegal.

Isso é crucial para capturar novos apostadores – historicamente, Copas aumentam em 300-400% o número de pessoas que fazem sua primeira aposta.

Segundo, o formato de 48 seleções multiplica exponencialmente as possibilidades. Enquanto a Copa de 2022 teve 64 jogos, 2026 terá 104 partidas – um aumento de 62,5%. Seleções que raramente participam trarão narrativas únicas e mercados menos explorados, demandando sofisticação operacional significativa.

O fuso horário também favorece o Brasil. Diferentemente do Qatar, onde jogos aconteciam em um fuso 6h à frente do Brasil, 2026 permitirá que apostas ao vivo em hora local (ou próximo dele) sejam maximizadas em horários de alta audiência.
KYC e infraestrutura tecnológica serão decisivos.

Até 2026, processos de reconhecimento facial obrigatório estarão consolidados, permitindo onboarding em menos de 60 segundos versus os atuais 3-5 minutos. APIs de validação biométrica processarão milhões de verificações simultâneas, essencial para gerenciar picos de tráfego de 500-700% acima da média observados em eventos globais.

A experiência mostra que usuários conquistados durante Copas têm taxa de retenção 40% superior a usuários adquiridos em períodos normais, desde que a experiência seja positiva. 

Portanto, 2026 pode consolidar definitivamente o mercado regulado brasileiro, mas apenas se estivermos operacionalmente preparados: infraestrutura para suportar 20 à 30x o tráfego normal, KYC automatizado via biometria facial para processar milhões de novos usuários, e liquidez robusta para cobrir exposições em eventos de altíssima volatilidade.

O setor tem 18 meses para se preparar tecnologicamente. Quem conseguir combinar compliance, capacidade técnica e experiência excepcional do usuário durante 2026 estabelecerá dominância de longo prazo no maior mercado de apostas do mundo.

Um dos assuntos predominantes no mundo do marketing é o uso de inteligência artificial (IA) para criar conteúdos, editar imagens, obter insights, analisar dados, entre outras funções. A bet.bet já emprega IA no seu processo criativo ou tem algum
plano de começar a usar a tecnologia?

A integração de IA em nossas operações transcende o marketing - representa um pilar estratégico para compliance, gestão de risco e proteção ao usuário, sempre com rigorosa atenção à privacidade de dados. Nossa abordagem é faseada e fundamentada em casos de uso que geram valor operacional mensurável.

Na gestão de compliance e risco, empregamos modelos de machine learning que processam aproximadamente 2,5 milhões de transações mensais para detectar comportamentos suspeitos. Nossos algoritmos analisam mais de 40 variáveis comportamentais - velocidade de apostas, variação de valores, horários de atividade, correlações com eventos externos - atingindo alto índice de precisão na identificação de sinais de jogo problemático, superando significativamente a análise manual tradicional.

Para pricing e gestão de odds, utilizamos algoritmos que processam volumes superiores a 15 TB de dados mensais - desde estatísticas históricas até variáveis meteorológicas e sentimento de mercado. Em apostas ao vivo, nossos sistemas ajustam probabilidades em menos de 300 milissegundos, um diferencial crítico onde cada segundo pode determinar exposições de milhões de reais.

No marketing e relacionamento, aplicamos IA para personalização que resulta em 37% maior engagement comparado a campanhas genéricas, segmentando usuários através de análise comportamental avançada que considera mais de 200 pontos por apostador. Isso inclui customização de ofertas baseada em padrões individuais e personalização de atendimento para 78% das dúvidas recorrentes.

Todo tratamento de dados segue protocolos LGPD rigorosamente auditados. Implementamos pseudonimização em todas as fases de processamento, data minimization - coletamos apenas dados essenciais para cada finalidade específica -, e criptografia end-to-end em armazenamento e transmissão.

Estudos recentes da KPMG indicam que 92% das empresas financeiras obtêm ganhos com IA, mas apenas 32% conseguem resultados em escala. Nossa estratégia é evitar essa armadilha através de implementações graduais, sempre com métricas de ROI definidas e compliance verificado.

Desenvolvimentos futuros incluem modelos preditivos mais sofisticados para detecção de fraudes com 99% de precisão, além da otimização automática de UX baseada em comportamento do usuário, e integração com sistemas de integridade esportiva para identificação de possíveis manipulações em tempo real.

É fundamental destacar que, no ambiente regulado, aplicação de IA deve priorizar transparência, auditabilidade e conformidade regulatória, não apenas eficiência. Todo algoritmo implementado passa por validação da SPA e auditoria independente, garantindo que a inovação tecnológica sirva à proteção do usuário, não apenas à otimização operacional.

Caso queira acrescentar algo que não foi perguntado, fique à vontade.

Gostaria de abordar um aspecto crítico que define o futuro do setor: a necessidade de elevarmos o padrão de discussão pública sobre apostas esportivas no Brasil.

Ainda observamos um debate polarizado e superficial - de um lado, a demonização completa das apostas; de outro, a glamourização irresponsável. Essa dicotomia prejudica a consolidação de um mercado maduro e responsável. Precisamos de uma discussão técnica, baseada em evidências e experiências internacionais, sobre como estruturar um ecossistema sustentável.

O setor de apostas esportivas pode e deve ser um vetor de desenvolvimento econômico, geração de empregos qualificados e arrecadação tributária significativa. Países que conseguiram estruturar mercados regulados eficientes demonstram que é possível conciliar atividade econômica robusta com proteção ao consumidor e integridade esportiva.

O Brasil pode aprender com mercados maduros e adotar ESG com metas mensuráveis que beneficiem população, governo e empresas. Transparência e supervisão elevaram a canalização do Reino Unido para ~98%, reduzindo sites ilegais e fortalecendo checagens financeiras. No social, o BetStop da Austrália tem 44 mil autoexcluídos, bloqueando marketing e novas contas para vulneráveis. 

Na governança, a Espanha reduziu em 55% novas contas após restringir publicidade e bônus, mostrando como calibrar aquisição com proteção. Resultado: menos dano ao usuário, arrecadação estável e previsibilidade competitiva para operadores responsáveis.

A responsabilidade é coletiva. Operadores, reguladores, provedores, plataformas whitelabel, mídia especializada, federações esportivas e a sociedade civil precisam trabalhar colaborativamente para estabelecer um ambiente onde apostas sejam uma atividade de entretenimento regulamentada, transparente e socialmente responsável.

O momento é decisivo. As decisões operacionais e regulatórias que tomamos hoje definirão se o Brasil se tornará uma referência internacional em regulação de apostas ou se permanecerá lidando com os problemas estruturais que observamos em mercados menos maduros.

Por fim, é essencial reconhecer que sustentabilidade no setor de apostas não se mede apenas por lucratividade de curto prazo, mas pela capacidade de construir confiança duradoura com usuários, autoridades e sociedade. Essa é a base de qualquer negócio verdadeiramente escalável e resiliente no ambiente regulado.

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