DIRETOR CONSELHEIRO E COFUNDADOR DO IBJR

Andre Gelfi: "Mercado regulado já demonstra que quem segue as regras conquista confiança e atrai investimentos"

Andre Gelfi, diretor conselheiro e cofundador do IBJR (foto: divulgação/IBJR)
24-12-2025
Tempo de leitura 5:44 min

O primeiro ciclo regulatório das apostas online no Brasil já apresenta avanços relevantes, mas também desafios estruturais que impedem a consolidação plena do mercado licenciado. Em entrevista exclusiva ao Yogonet, Andre Gelfi, diretor conselheiro e cofundador do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), afirma que a regulamentação foi determinante para criar um ambiente mais seguro, transparente e profissionalizado.

No entanto, ele avalia que a evolução do setor foi prejudicada pela permanência expressiva do mercado clandestino e à instabilidade no campo tributário.

Para o IBJR, o equilíbrio entre previsibilidade jurídica, combate efetivo às operações ilegais e aplicação isonômica das regras será decisivo para fortalecer o mercado formal e reduzir a informalidade nos próximos anos.

Confira abaixo a entrevista: 

Qual é o diagnóstico do IBJR sobre o primeiro ciclo regulatório do setor? O mercado licenciado evoluiu como esperado ou ficou aquém das projeções?

O primeiro ciclo regulatório do setor de apostas online no Brasil, consolidado com a Lei 14.790/23 e em vigor desde janeiro, representou um marco essencial para a criação de um ambiente seguro, fiscalizado e transparente.

Passamos a contar com mecanismos de verificação de identidade que reduzem riscos de fraude e impedem o acesso de menores, além de novas camadas de rastreabilidade de pagamentos, ferramentas de autolimitação e autoexclusão e requisitos de integridade esportiva que aumentam a segurança de competições e dos próprios apostadores.

A implementação dessas regras também aumentou significativamente a profissionalização das operadoras licenciadas, que investiram em equipes locais, governança, tecnologia e práticas robustas de compliance. Diferentemente do mercado clandestino, que atua exclusivamente no curto prazo e na base do funil de aquisição, as empresas reguladas operam com estratégia de marca, reputação e referência, o que exige investimentos contínuos e de longo prazo.

Os efeitos fiscais desse novo ciclo são igualmente relevantes: de janeiro a maio de 2025, foram arrecadados mais de R$ 2,3 bilhões em outorgas e, segundo a Receita Federal, até outubro de 2025 foram mais de R$ 7,9 bilhões em tributos e contribuições sociais, criando um fluxo de recursos permanente para áreas como educação, segurança, turismo e esporte. 

Esse volume de arrecadação reforça que o setor formal já se tornou um vetor econômico relevante, gerando empregos qualificados, com massa salarial acima da média nacional, e financiando diretamente o principal esporte do país.

Ainda assim, o mercado regulado não evoluiu plenamente por dois motivos centrais: o primeiro é a força persistente do mercado clandestino, que opera com baixo custo, sem controles e com forte presença nas redes sociais; o segundo é a instabilidade regulatória, sobretudo diante de propostas de aumento repentino da carga tributária, que foram um desafio constante durante todo o ano e geram insegurança jurídica para empresas que se estruturaram com base nas regras anunciadas no final de 2024. 

Medidas como a CIDE-Bets, por exemplo, representam um risco concreto de penalizar quem opera dentro da lei e, paradoxalmente, fortalecer o mercado clandestino.

A previsibilidade é um ativo essencial nesse setor, e sua ausência impacta diretamente a competitividade do Brasil diante de outros mercados regulados. Para o IBJR, consolidar esse primeiro ciclo significa fortalecer a estabilidade jurídica, intensificar o combate ao mercado ilegal e garantir que as regras vigentes sejam aplicadas de forma isonômica, preservando a integridade do ambiente regulado.

Imagem: reprodução/Poder360

O mercado ilegal ainda está presente no Brasil em que proporção?

Mesmo após a regulamentação, o mercado ilegal ainda tem dimensão significativa no Brasil.

Pesquisas realizadas pelo Instituto Locomotiva e pela LCA Consultoria Econômica a pedido do IBJR mostram que de 41% a 51% do volume de apostas ainda ocorre na informalidade, o que significa que milhões de apostadores seguem expostos a plataformas que não respeitam qualquer norma de segurança, não adotam reconhecimento facial, não promovem jogo responsável, não colaboram com investigações de integridade esportiva e frequentemente utilizam publicidade enganosa como estratégia de aquisição.

É importante deixar claro que 100% da atividade ilegal é, por definição, criminosa no Brasil, envolvendo crimes como lavagem de dinheiro e infrações contra a economia popular. Trata-se de uma operação organizada, que se sustenta justamente pela ausência de fiscalização efetiva no ambiente digital.

O impacto fiscal desse cenário é alarmante: até R$ 10,8 bilhões deixam de ser arrecadados anualmente, desviando recursos que poderiam financiar políticas públicas de alto impacto.

Mas o problema vai além da arrecadação. O clandestino desequilibra a concorrência, já que opera sem pagar impostos, sem cumprir obrigações e sem qualquer barreira regulatória. Além disso, esses operadores não constroem marca: mudam de nome, URL e servidor constantemente, o que torna inócuo o simples bloqueio de sites se não houver outras medidas estruturais.

Do ponto de vista do consumidor, os riscos são evidentes — exposição a golpes, perda de saldo, falta de mecanismos de resolução de conflitos, ausência de limites ou ferramentas de proteção e, em muitos casos, abordagens agressivas que prometem lucro fácil. Esse é um tema que continuará sendo prioridade no próximo ano, exigindo um esforço coordenado entre operadoras, autoridades públicas e órgãos reguladores.

O que falhou até aqui e quais medidas o IBJR considera prioritárias para reduzir a participação das operadoras ilegais em 2026?

O mercado clandestino continua resiliente porque opera sem qualquer custo regulatório, sem fiscalização efetiva e com ampla capacidade de adaptação, inclusive migrando servidores, mudando URLs e abrindo CNPJs de fachada para processar pagamentos por PIX. 

Hoje, a principal vitrine do mercado clandestino são as plataformas digitais e influenciadores que promovem conteúdo supostamente "orgânico", mas que, na prática, funcionam como canais estruturados de aquisição para jogos ilegais. 

Embora haja um esforço crescente da Secretaria de Prêmios e Apostas, da Anatel e do Banco Central, o volume total de operações clandestinas exige medidas mais incisivas. O próprio Ministério da Fazenda enfrenta limitações estruturais e orçamentárias para fiscalizar um mercado que movimenta bilhões de reais, o que compromete a efetividade das ações.

A prioridade do IBJR para 2026 é avançar em três frentes. A primeira é o estrangulamento financeiro: o Pix é comprovadamente o principal vetor de depósitos ilegais, e o Banco Central tem condições de rastrear padrões, bloquear transações reincidentes e responsabilizar instituições financeiras que facilitem operações com CNPJs fraudulentos.

A segunda é a responsabilização das plataformas digitais e influenciadores que promovem sites ilegais. As redes sociais já dispõem de tecnologia para identificar e remover conteúdos nocivos, e esse mesmo rigor precisa ser aplicado à promoção de apostas clandestinas.

A terceira é a responsabilização dos provedores de jogos. Hoje, fornecedores vendem o mesmo produto tanto para operadores regulados quanto para ilegais, sem qualquer consequência. O IBJR defende que esses fornecedores só possam atuar no mercado brasileiro se atenderem exclusivamente operadores licenciados, sob pena de perderem autorização para operar no país.

O IBJR também entende que é essencial garantir estabilidade regulatória, especialmente no campo tributário. Criar novos impostos sobre o apostador ou sobre operadores licenciados, em um mercado ainda em consolidação, é um tiro no pé e favorece diretamente a informalidade. A combinação entre previsibilidade, fiscalização efetiva e esclarecimento ao público será determinante para reduzir a participação do mercado informal em 2026.

Andre Gelfi (imagem: Pedro França/Agência Senado)

Qual é o principal recado do IBJR para as empresas que decidiram operar dentro da lei em um ambiente ainda dominado pela informalidade?

Operar dentro da lei é um compromisso estratégico com a sustentabilidade do setor e com a credibilidade perante a sociedade. O mercado regulado brasileiro já demonstra que quem segue as regras conquista confiança, atrai investimentos e constrói uma base sólida para o crescimento de longo prazo. 

Esse é um jogo de médio e longo prazo: as empresas estão plantando agora, investindo em marca, estrutura e times locais, para colher resultados de forma sustentável nos próximos anos.

O IBJR recomenda que as operadoras sigam investindo em comunicação transparente, em ações de jogo responsável, integridade esportiva e em iniciativas que reforcem o valor social e econômico do setor, mesmo diante de um ambiente competitivo ainda assimétrico.

Como o IBJR vê o surgimento de novas entidades representativas? Isso fragmenta o debate ou fortalece o ecossistema?

O IBJR acredita ser importante a união do setor para o enfrentamento dos desafios atuais e a promoção do jogo responsável.

O Instituto mostrou em 2025 como avalia ser fundamental uma postura colaborativa, participando de grupos de trabalho, dialogando com reguladores, contribuindo com estudos e organizando campanhas de conscientização.

Também formou frentes integradas com outras associações, demonstrando que entende o setor como um ecossistema que só evolui com convergência.

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