Mesmo após a regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil, práticas envolvendo itens virtuais como skins (itens estéticos em jogos), lootboxes (caixas de recompensas) e benefícios em jogos seguem à margem da legislação. Essas modalidades continuam sendo usadas como moeda de troca em apostas online, muitas vezes em plataformas que operam sem autorização dos órgãos competentes, avalia Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados, secretário-geral da Comissão de Direito de Jogos da OAB-DF e mestre em regulação de jogos e apostas.
O advogado chama atenção para o vácuo jurídico que cerca essas práticas. "A utilização de skins e itens de jogos como moeda de aposta cria um mercado paralelo que escapa ao controle das autoridades. Isso não apenas compromete a integridade do ambiente de jogos, mas também expõe os usuários, especialmente os mais jovens, a práticas potencialmente prejudiciais", afirma, em comunicado à imprensa.
O especialista reforça que a regulamentação precisa avançar com urgência. "É fundamental que o legislador reconheça essas práticas como formas de jogo de sorte e estabeleça diretrizes claras para sua operação. A falta de regulamentação coloca em risco a segurança jurídica e a proteção dos consumidores", destaca.
Além da ausência de normas, preocupa a facilidade de acesso a essas plataformas, muitas vezes abertas a qualquer público, sem controle de idade. O cenário combina apostas, anonimato e prêmios em dinheiro (mesmo que indiretos) — o que amplia os riscos de dependência, fraudes e manipulação. "A criação de um marco regulatório específico para apostas com itens virtuais é urgente. Isso requer a colaboração entre diferentes setores do governo e a participação ativa da sociedade civil para garantir um ambiente de jogo seguro e transparente", ressalta Senna.
Enquanto países como Austrália, Dinamarca e Reino Unido já adotaram medidas para regulamentar ou restringir essas práticas, o Brasil ainda discute o tema em ritmo lento. O especialista ressalta que o próprio Ministério da Fazenda e o Ministério do Esporte reconheceram recentemente que lootboxes e apostas com skins não estão contempladas na legislação vigente, o que as coloca em uma zona cinzenta jurídica.
Outro ponto de alerta são os sistemas de lootboxes e gatchapons não certificados, especialmente em jogos mobile e consoles voltados ao público infantil. Esses mecanismos, que funcionam com recompensas aleatórias mediante pagamento, replicam a lógica de jogos de cassino, sem oferecer garantias mínimas de segurança, transparência ou auditoria técnica.
"É preocupante ver crianças expostas a sistemas baseados em sorte, que operam sem qualquer tipo de auditoria técnica ou controle público", pontua Senna. "Isso cria um ambiente propício à exploração emocional e financeira dos menores, com consequências a longo prazo para o desenvolvimento saudável do hábito de consumo digital", disse Senna.
Para o especialista, o Poder Público precisa agir com firmeza e incluir essas práticas nos próximos ciclos de fiscalização e regulação do setor de apostas. "Não podemos permitir que a monetização aleatória em jogos eletrônicos siga operando à margem da regulação, sobretudo quando se direciona ao público mais vulnerável. São formas modernas de apostas disfarçadas de entretenimento, que exigem critérios técnicos rígidos, fiscalização contínua e proteção efetiva ao consumidor", conclui.