No começo do ano, a Sportradar, especializada em tecnologia e monitoramento esportivo, divulgou um relatório apontando que, em 2024, o Brasil deixou a liderança mundial de casos suspeitos de manipulação de resultados no futebol. Esse foi um dos temas que Felippe Marchetti, integrity partnership manager da empresa, discutiu durante painel no SBC Summit Rio, realizado no final de fevereiro, no Rio de Janeiro (RJ).
Em entrevista ao Yogonet, Marchetti elencou as razões que ajudam a explicar a queda de 48% nos casos ocorridos no país. Ele também defendeu que o Brasil tenha um órgão centralizado para receber denúncias.
“O que a gente tem hoje? A informação vai, em alguns estados, para a Polícia Civil e outros para o Ministério Público do Estado e, em outros, para a Polícia Federal. Muitas vezes essa informação chega em órgãos que não têm pessoas com informação suficiente para investigar e não sabem nem por onde começar”, afirmou.
Confira a íntegra da entrevista:
Segundo o relatório que a Sportadar lançou no começo do ano, houve uma queda de casos suspeitos de manipulação no futebol brasileiro entre 2023 e 2024: o país foi de 110 para 57 casos. A que fatores você atribui essa redução?
Vários fatores influenciam nisso. O primeiro deles é o aumento do monitoramento dos mercados aqui no Brasil. A gente saiu de um contrato com a CBF que monitorava a primeira, segunda, terceira, quarta divisão, Copa Verde, Copa do Nordeste e Copa do Brasil para um contrato muito mais amplo, que está monitorando todos os campeonatos de primeira divisão estadual também.
A gente fechou contrato com 17 das 27 federações estaduais. Então, teve um aumento do escopo de monitoramento com relatórios mais completos. Esses relatórios eram muito simplificados, eram relatórios de uma página. A gente partiu para relatórios premium, que são relatórios de 15, 20 páginas que têm informações completas, são tanto validados academicamente pela Universidade de Liverpool quanto considerados como evidência de manipulação pela Corte Arbitral do Esporte, na Suíça. A gente tem a maioria dos jogos do Brasil hoje com esse monitoramento, com esses relatórios.
Segundo, a ampliação da educação. A gente está com 13 federações estaduais trabalhando com a plataforma de educação online, entregando educação para os atletas. Quando o atleta tem conhecimento dos riscos e consequências de se envolver com a manipulação, ele pensa três vezes antes de fazer. Então, tem um monitoramento, tem uma conscientização e tem também investigações em andamento, como foi, por exemplo, no caso da Patrocinense, da quarta divisão, no ano passado.
E aí tu vai pegando pessoas que estão envolvidas com isso e a gente vai vendo o movimento dos manipuladores saindo do Brasil e indo para outros países, como Argentina, por exemplo, que tem um monitoramento muito mais fraco. A partir disso, a gente vai vendo esse movimento de migração.
E tem outros fatores, regulamentação do mercado de apostas, questão até mesmo da CPI [da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas no Senado], visibilidade do tema. São todos fatores que acabam contribuindo para uma melhora da situação no Brasil.
Você já falou muito sobre o perfil dos jogadores que são mais vulneráveis, que são jogadores de clubes menores, ganham menos. Mas eu queria saber um pouco o perfil de quem manipula no Brasil. Qual é o perfil desse manipulador?
Por trás, é o crime organizado operando, tanto o crime organizado nacional quanto o crime organizado internacional. Eles utilizam pessoas que são do meio do esporte para dar credibilidade à oferta. Uma coisa é chegar um cara lá da Rússia, do Leste europeu ou da Indonésia e fazer uma oferta para o jogador perder uma partida. Outra é chegar a um jogador que jogou com ele, que ele conhece, que ele é parceiro, que ele quer dividir o vestiário e falar “pode fazer [a manipulação] que não dá nada, não tem problema”.
Isso acaba gerando um convencimento muito maior por parte dos atletas. Os manipuladores sabem e utilizam isso. E junto a isso, eles também utilizam pessoas que são do meio do esporte. Aquele amigo do jogador que desenrola ingresso de festa, carro, apartamento, está sempre frequentando vestiário, frequentando festas junto. Esse cara tem uma abertura muito grande também com os atletas. A gente viu isso acontecer na [Operação] Penalidade Máxima.
Aí sim, vão procurar o atleta que está mais vulnerável. O mais vulnerável, muitas vezes, é na questão financeira, mas nem sempre. Outras vezes é aquele cara que tem vício em jogo, que tem problema de relacionamento em casa, traiu a esposa. O cara pode chantageá-lo por causa disso. Então, tem várias formas que o manipulador pesquisa para identificar qual é o alvo mais suscetível para fazer uma oferta.
Na CPI da Manipulação dos Jogos e Apostas Esportivas do Senado, houve um caso muito emblemático. O empresário William Rogatto admitiu a manipulação, disse que lucrou mais de R$ 300 milhões com as manipulações. Muita gente não leva o caso a sério porque ele não apresentou provas. O que você diria? Você acha que esse caso se enquadra no que você normalmente vê? Ou a gente tem que olhar com desconfiança para esse tipo de alegação?
Olha, nesse caso do Rogatto, é notório que ele esteve envolvido com manipulação de resultados. Eu acho que muita coisa que ele fala é porque quer se autopromover. Mas a gente tem casos, como por exemplo, o caso do Santa Maria, do Distrito Federal, que a investigação do Ministério Público provou que ele estava envolvido. Depoimentos de uma pessoa do Santa Maria provaram que ele, sim, estava envolvido.
A gente já sabia que, em outros casos, ele já esteve relacionado, mas muito do que ele fala também é uma autopromoção. Existem pessoas como o Rogatto que a gente sabe que estão atuando no esporte brasileiro, a gente tem informação sobre eles, mas como eu falei no painel agora há pouco, precisamos ter um órgão centralizado de investigação no Brasil para que seja feita essa costura dessa informação, para que seja centralizada.
O que a gente tem hoje? A informação vai, em alguns estados, para a Polícia Civil e outros para o Ministério Público do Estado e, em outros, para a Polícia Federal. Muitas vezes essa informação chega em órgãos que não têm pessoas com informação suficiente para investigar e não sabem nem por onde começar.
Se a gente tiver algo centralizado, vai facilitar tanto o trabalho da Justiça quanto o trabalho das federações, quanto o trabalho do governo, do Ministério da Fazenda, do Ministério do Esporte, da Sportradar. Essa informação vai para um órgão único e a troca de informação, de inteligência vai ser muito mais efetiva e vai ter resultados muito melhores do que a gente tem hoje.